quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Software com sentimento, tecnologia do filme 'Ela' ainda está distante





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Imagine se tornar tão próximo do sistema operacional de seu computador a ponto de não só virar seu amigo, mas também se ver perdidamente apaixonado por ele. Esse é o enredo do filme "Ela", que estreou na sexta-feira (14) no Brasil. Apesar de distante, uma realidade como essa já vem sendo saboreada em pílulas pelos consumidores de tecnologia.

No longa, o solitário Theodore Twonbly (Joaquin Phoenix) começa a testar um novo sistema operacional (OS) que até escolhe o próprio nome: Samantha (dublada por Scarlett Johansson). A nova tecnologia chama a atenção do homem, ainda traumatizado pelo término de um casamento, por prometer uma relação mais profunda. Samantha surpreende Twombly por falar com trejeitos humanos e por ser capaz de se solidarizar com ele ou demonstrar preocupação.

Favorito ao Oscar de Melhor Roteiro Original, o filme alimenta a discussão sobre quando programas de computador serão capazes de transmitir sentimentos ou de agir de forma passional a ponto de parecerem seres humanos.

"Na realidade, estamos muito distantes do 'Ela' e da possibilidade de a gente ter um negócio daquele", afirma o professor doutor Marcos Barretto, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). "Eu não tenho a menor expectativa de ver isso no meu tempo de vida", pontua o cientista, que mantém pesquisas sobre robôs sociáveis e computação afetiva.


Para o professor doutor Anderson Rocha, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um software como a Samantha "tem que ser dividido em partes": uma que compreenda funções de interação mais simples e outra, os sentimentos.Essa opinião, porém, não é consenso. "Eu posicionaria a Samantha em 2029, quando o salto para um nível humano de inteligência virtual seria razoavelmente crível. Há algumas incongruências, no entanto", escreveu o renomado futurista Ray Kurzweil, conhecido pela teoria da singularidade e que, em 2012, passou a ser diretor de engenharia do Google.

Sem emoção


Algumas das características do OS de "Ela" já estão ao alcance dos dedos de qualquer consumidor, como o reconhecimento de lugares, de face e de voz. "Interfaces de voz com linguagem natural, como Siri e Google Now, começam a ser verdade, mas em um contexto limitado e só numa categoria de problemas que você tem uma pergunta e uma resposta específica", exemplifica Barretto.

Apesar de dizer já ser uma realidade os pedidos feitos ao Siri ou ao Now que localizem o restaurante japonês mais próximo, Barretto afirma que essa é uma das diferenças básicas entre eles e o sistema operacional de "Ela": apesar de obter as respostas, isso não caracteriza uma conversa. "Não tem uma conversa, mas uma interação. É uma série de interações e cada uma é desconexa das anteriores".



Rocha lista alguns softwares que já conseguem trazer um pouco de "Ela" para o dia a dia, como o Google Goggles (reconhecimento de imagens). "Essas coisas já estão razoavelmente encaminhadas na área de visão computacional e inteligência artificial", diz Rocha. "O desenvolvimento emocional por parte da máquina é o que exigiria um maior exercício de adivinhação. Hoje nós não temos nada ainda".

Outra barreira é a capacidade de os sistemas aprenderem algo para o qual não foram programados. "Você pode programar o computador para um jogo, mas isso passa por um problema central que é como se aprende. Todo o trabalho de aprendizado de máquina que se tem feito é muito restrito", diz.

O exemplo disso é o supercomputador Watson, da IBM, que venceu participantes do programa de TV "Jeopardy" em 2011. A máquina consegue processar uma grande quantidade de informações a ponto de notar nuances no tom de uma mensagem, distinguindo, por exemplo, se "tiger" (de tigre) está se referindo ao jogador de golfe Tiger Woods ou ao animal. Ainda assim, não aprende.

Aprender


Quem tem celulares equipados com o Android, porém, já tem a impressão de que o sistema é capaz de "entender e aprender" informações. Isso porque o Google Now consegue fazer "ilações", como identificar se um lugar é o domicílio do usuário, e até se adiantar a questionamentos, como a que horas é preciso deixar um local para chegar no horário a um compromisso. Todas essas funções, no entanto, são baseadas ou no cruzamento de dados do próprio usuário ou tiradas de serviços do próprio Google, como o Maps, para consulta da situação do trânsito.

Diferentemente do que existe atualmente, o OS de "Ela" é potente o suficiente para compreender emoções e até reagir de forma similar a um ser humano triste, feliz ou entusiasmado. Os especialistas apontam isso como algo que ainda sequer foi arranhado. "A parte da inteligência emocional, na minha visão, é a que está distante em relação às outras coisas. É possível, mas está distante", diz Rocha, da Unicamp.

Ainda assim, por meio de algoritmos (códigos de programação que executam funções determinadas), há programas que conseguem resvalar expressões da sensibilidade humana. Capaz de captar o gosto musical de um usuário, o serviço de música por streaming Spotify, ainda indisponível no Brasil, é um deles. Tanto é que uma das principais funções do site é a sugestão de novas músicas e novos artistas.

No Brasil, há pesquisadores trabalhando na interação homem-máquina. Na USP, Barretto conduz um grupo de pesquisa que desenvolve um robô capaz de ter conversas olho no olho: com um vocabulário com 30 mil expressões, a máquina chamada de Minerva reconhece rostos, move pescoço para acompanhar seu interlocutor, mexe os lábios ao falar e, segundo seus criadores, até identifica emoções. Esse ano, os cientistas melhorarão as estratégias de diálogos do robô. Na Unicamp, o IC desenvolve, entre outros sistemas, um software de reconhecimento facial.

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